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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Livros Que Mudam a Vida - A Posição missionária: Madre Teresa na Teoria e na Prática


"Quem seria tão vil para implicar com uma velhinha mirrada, encolhida, bem avançada em anos, que consagrou a sua vida inteira para os necessitados e desvalidos? Por outro, quem seria tão desinteressado a ponto de deixar de escrutinar a influência e as motivações de uma mulher que disse certa vez operar mais de quinhentos conventos em mais de 105 países - 'sem contar com a Índia'? Mártir solitária e fanática, ou presidente de uma multinacional missionária?
A escala se altera com a perspectiva, e a perspectiva se altera com a escala."
Assim se inicia o livro de Christopher Hitchens que propõe analisar as verdades por trás do mito da Madre Teresa. Publicado em 1995, bem no meio de uma década na qual Madre Teresa era figura constante quando se mencionavam trabalhos humanitários respaldados por celebridades como Princesa Diana, Hillary Clinton e Charles Keating. Hitchens disseca o fenômeno "Madre Teresa" e expõe várias facetas não tão nobres do trabalho da missionária e nos faz pensar em como atribuímos valor automático, a alguém que conhecemos tão pouco, apenas por causa da máscara da religião.



Introdução
Hitchens demonstra a facilidade com que Madre Teresa se desprendia de seu meio religioso e circulava pelo cenário político mundial enquanto apoiava e promovia déspotas e vigaristas notórios em troca de doações a sua cruzada.  Hitchens menciona (dois anos antes da morte de Madre Teresa) de que ela já era amplamente divulgada como forte candidata a beatificação a futuramente a santidade dada a amplitude de sua fama. Isso de fato ocorreria em 2003, quando o Vaticano reconheceu um suposto milagre dela na cura de um tumor de uma mulher indiana. Foi amplamente divulgado que o marido e alguns médicos da mulher informaram que o problema que afligia a mulher não era de fato um tumor e sim um cisto causado por uma tuberculose e que a cura havia se dado através de tratamento médico convencional, o que não impediu o Vaticano de continuar com o processo de beatificação. 


Um Milagre
Hitchens reconta seu encontro pessoal com Madre Teresa e explica a forma como ela e sua imagem se popularizaram a nível mundial. Ele demonstra que apesar das enormes dificuldades e de uma pobreza difícil de subestimar Calcutá não tem a apatia tão amplamente divulgada por Madre Teresa. Apesar de sua vida cotidiana difícil os "mais pobres dos pobres" não mendigam. Algo que sempre foi vendido pelo marketing de Madre Teresa e das Irmãs da Caridade.  
Enquanto Madre Teresa se opunha estoicamente a qualquer opção de controle de natalidade ela mantinha um pequeno orfanato que servia 12 camas a crianças que de outra forma teriam efetivamente morrido. O problema óbvio aqui é que a missionária acreditava que isso a permitia (de um ponto de vista moral) sua campanha incessante e a utilização de todo o seu "poder de celebridade" contra os metódos contraceptivos e isso em um país e em uma cidade que lidam com problemas extremos de super-população. 
Ainda que o trabalho de Madre Teresa tenha seus momentos de fascínio inegável sua orientação de que altruísmo e humanismo são "tentações" e que seu trabalho com os pobres só se da por única e exclusiva obediência a Deus, sendo que não pode haver gratificação no sentimento de realizar o trabalho em si acabam 
ofuscando o que poderia de fato ser uma qualidade redentora do trabalho da missionária.



Trabalho de Deus e Virtudes Heróicas
Nesse capítulo vemos a prática da teoria de Madre Teresa de que o sofrimento dos pobres é algo que ajuda o mundo. Hitchens mostra o relato do Dr. Fox, editor da The Lancet, uma das maiores publicações de medicina do mundo e que se interessou pelos aspectos médicos da ajuda oferecida passa a verificar o "tratamento", propriamente dito, oferecido pela missionária para os enfermos tratados. Eu achei tão impactante o relato que resolvi traduzi-lo na integra aqui: 
"Há médicos que ligam de vez em quando, mas geralmente as irmãs e voluntários (alguns dos quais
tem conhecimentos médicos) tomam decisões da forma que acham mais adequada. Eu vi um homem jovem que tinha sido admitido em más condições, com febre alta, e os medicamentos prescritos
tinham sido tetraciclina e paracetamol. Mais tarde um médico que o visitava o diagnosticou com malária. Não foi possível alguém ter verificado seu sangue? As investigações clínicas, foi-me dito, são
raramente permitidas. Que tal verificações simples que possam ajudar as irmãs e voluntários distinguir
o curável do incurável? Novamente não. Tal sistemática e abordagens são estranhos ao modo de operar da casa. Madre Teresa prefere providência ao planejamento, suas regras foram criadas para evitar qualquer tendência para o materialismo: as irmãs devem permanecer em condições de igualdade com os pobres. . . . Finalmente, o quão competentes são as irmãs em controlar a dor? Em uma visita curta, eu não poderia julgar o poder de sua abordagem espiritual, mas eu estava perturbado ao saber que o formulário não inclui analgésicos fortes. Junto com a negligência de diagnóstico, a falta de boa abordagem analgésica demonstram que Madre Teresa está claramente separada da condição de ajuda a pessoas doentes ou morrendo."
Uma observação contundente de Hitchens é que essas condições não eram encontradas em um hospital improvisado no meio de um campo de batalha mas em um hospital gerido por Madre Teresa por mais de quatro décadas e meia nas quais mais de três ela havia recebido generosas quantias de doações do mundo todo. 
Talvez o posicionamento da missionária seja facilmente revelado pela sua declaração de que: " o dom mais bonito que uma pessoa pode receber é poder compartilhar do sofrimento de Jesus Cristo". 
Em certa entrevista uma vez a própria Madre Teresa se traiu ao recontar o caso de uma mulher que tinha câncer terminal, sofria de dores insuportáveis "Você está sofrendo como Jesus na Cruz. Então ele deve estar te beijando." Alheia à ironia gritante do que estava dizendo a própria Madre Teresa disse a resposta da pobre mulher: "Então por favor peça para ele para de me beijar."
É interessante notar que ao se deparar com as doenças da velhice e problemas de coração a Madre Teresa se internou nas melhores e mais caras clínicas do Ocidente.  
Hitchens mostra o relato de Susan Shields ex-irmã da caridade que entre as diversas revelações diz que as irmãs eram instruídas a batizar secretamente aqueles que estavam morrendo e a sempre alegar pobreza mesmo que a conta bancária da instituição já tivesse mais do que 50 milhões de dólares dos quais nada era gasto em benefícios dos doentes. 
Hitchens também menciona nesse capitulo o envolvimento de Madre Teresa com Charles Keating que armou um dos maiores golpes de investimento da história americana e doou 1,4 milhões de dólares para o trabalho de Madre Teresa. Durante o julgamento dele Madre Teresa escreveu uma carta para a promotoria e para o juiz pedindo que o Sr. Keating fosse perdoado pelo que fez e que se perguntassem o que Jesus faria em seu lugar. 
O promotor do caso, Sr. Paul Turley, respondeu a Madre Teresa informando que Keating estava sendo julgado por roubar mais de US $ 250 milhões de mais de 17.000 investidores em seu negócio. Entre eles diversos pessoas humildes sem qualquer conhecimento do mercado financeiro, inclusive de um pobre carpinteiro que não falava inglês e que havia sido roubado das economias de uma vida toda. Ele concluiu sua carta perguntando a Madre Teresa:
"Pergunte a si mesmo o que Jesus faria se tivesse recebido os frutos de um crime, o que Jesus faria se estivesse na posse de dinheiro que havia sido roubado, o que Jesus faria se estivesse sendo explorado por um ladrão para aliviar sua consciência? Eu diria que Jesus teria prontamente e sem hesitações devolvido a propriedade roubada aos seus legítimos proprietários. Você deve fazer o mesmo. Você recebeu dinheiro obtido através de roubo e fraude. Não permita que ele a "indulgência" que ele deseja. Não guarde o dinheiro. Devolva-o para aqueles que trabalharam por ele e que o mereceram! Se você entrar em contato comigo eu vou colocar você em contato direto com os legítimos proprietários do dinheiro em sua posse." 
O Sr. Turley jamais recebeu resposta. 


Ubiquidade
Aqui vemos a história de Madre Teresa e suas ligações com a Albania e com a política do local. Hitchens questiona posicionamento claramente político de Madre Teresa em diversas questões polêmicas e bilaterais mesmo quando ela alega estar além de qualquer posicionamento político. E ao contrário do que poderiam defender seus seguidores e fãs, ela não se via envolvida nessas situações mas buscava ativamente envolvimento em questões polêmicas exaltando o sofrimento alheio, como quando em 1984 voou a cidade indiana de Bhopal para discursar a uma população que havia sido vítima de um grave crime perpetrado pela política irresponsável de uma empresa que acabou matando e vitimando milhares de pessoas. Antes mesmo de que qualquer culpado pudesse ser averiguado Madre Teresa estava no aeroporto da cidade dizendo aos outros: "Perdoem, Perdoem". Entretanto a sua mensagem de perdão universal não era tão facilmente aplicada já que ela anunciava publicamente que jamais permitiria a um casal ou mulher que houvesse praticado um aborto a possibilidade de adotar uma das crianças "dela".    


Posfácio
Finalmente Hitchens deixa claro, assim como no ínicio do livro, de que sua iniciativa de julgar a reputação de Madre Teresa por suas ações e palavras ao invés de julgar suas ações e palavras através de sua reputação, não se devem a implicância cega contra uma indefesa senhora que tenta simplesmente melhorar o mundo mas sim de alguém que agiu por mais de quarenta anos de uma forma que não é completamente clara para o mundo e influenciou (ou tentou influenciar) profundamente a política e costumes de várias sociedades, que acumulou amizades com vigaristas e opressores, que recebeu milhões em doações e nunca foi questionada sobre a utilização do dinheiro e que principalmente fez tudo isso sem necessariamente ajudar aos que realmente precisavam e contavam com ela, enquanto promovia um culto de dor e sofrimento e ajudava a tornar a vida daqueles em mais necessidade e mais desesperados cada vez mais atrasada e difícil.  

Madre Teresa morreu em 1997, em 2007 foram publicadas correspondências nas quais Madre Teresa havia deixado clara uma grave crise de fé que ela jamais havia comentado. 
"Onde está minha fé? Mesmo lá no fundo ... não há nada além do vazio e da escuridão ... Se Deus existe, por favor me perdoe. Quando tento elevar meu pensamento ao céu, há um vazio de convencimento tal que esses pensamentos retornam como facas afiadas a ferir minha alma ... Como é dolorosa esta dor desconhecida, eu não tenho fé. Repulsa, vazio, sem fé, sem amor, sem zelo, ... O que eu trabalho para? Se não há Deus, não pode haver alma. Se não houver alma então, Jesus, você também não é verdadeiro.

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